sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Sobre Ser Forte

A morte de alguém sempre nos faz refletir sobre algo. 

           Amanha enterro um tio-avô, Tio Demir como o chamava sempre esteve tão presente quanto longe em minha infância, aparecia pouco mas não sumia nunca, sempre com bordões sujos e cigarros no bolso da camisa semi aberta meu tio-avô fez parte da minha vida, é bem verdade que nunca fora um perfeito exemplo de homem bom, cuidou pouco da filha, brigou muito por uma herança de uma mãe que o renegou e pagou caro diversas vezes por falar o que pensava mas nunca se incomodou com isso pois quase nada o incomodava e muito pouco o importava de fato, das poucas coisas que considerava importante estava minha avó, a irmã mais velha que o criou e apesar de ter como compromisso seu enterro amanha as 9h é sobre minha avó que quero falar.  

     Hoje 03/01/14 minha avó completa 77 anos com uma vitalidade mental que invejo pois a vi enterrar minha bisavó, dois irmãos, meu avô, uma tia que chamava de mãe, vários primos e uma amiga que a acompanhou por meio seculo e tudo isso sem derramar uma lágrima e me pergunto a qual ponto ela suportará. Os mais íntimos sabem que fui criada por meus avós e o quanto recrimino minha avó por seus defeitos e qualidades que são defeitos no atual mundo em que vivemos, minha avó tem mania de ajudar, ajudar conhecidos, estranhos, qualquer um ela coloca dentro de casa, dá comida, empresta dinheiro e temo muito por isso mas também a entendo. Minha avó vem de uma família modesta e saiu de casa aos 16 anos para morar com uma tia viúva de guerra com 6 filhos pequenos e muita tarefa domestica, se orgulha em contar que lavava roupa dentro de rios, que andava 12 km atras de comida, cozinhava no fogão a lenha e dormia numa "tapera" com mais 3 primas, minha avó sabe crochê, trico, ponto cruz, bordados e pinturas em tecido, deu aula de corte e costura por mais de dez anos em escolas públicas, criou 4 filhos seus, 6 de mães que abandonaram ou morreram enquanto moravam em suas casas de aluguel e 3 netos incluindo eu.

       Minha avó foi enfermeira em PA por 20 anos e recusou 3 convites para assumir a "chefia do posto" como ela mesmo diz, foi líder comunitária e ensinava gratuitamente tudo o que sabia fazer com linhas, agulhas e tesouras, costurou pra fora, fazia petiscos para os negócios do meu avó, juntou dinheiro para dar estudo aos filhos, formou todos contadores e depois professores.

       Minha avó enterrou muitas pessoas que amava, e de todos os defeitos e qualidades dela ser forte é o que mais me preocupa, não consegui fazer minha avó sorrir no dia do seu aniversario, a morte tem dessas coisas de estragar nossas surpresas e nos lembrar que não somos nada diante dela, a morte que chega sem aviso leva muito mais que a pessoa amada, leva nossa força, diante das expressões de vovó vejo que elas não são mais as mesmas e elas diz que são os anos mas sei que o real motivo são as perdas pois estão todas ali em sua face, em cada ruga, cada fio branco, cada sorriso frio.

       Não sei quanto tempo ainda tenho com minha avó antes que a morte chegue para nós, assim como não sei o que será de mim sem a mulher que conhece toda a minha história, mas espero sinceramente demorar muito a saber, assim como espero que o meu Tio Ademir descanse da forma que merecer.


Lapide que fotografei no cemitério em um dos enterros da familia!

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